sexta-feira, 14 de setembro de 2018

ÉTICA MINISTERIAL E FIDELIDADE DO OBREIRO



Introdução
A credibilidade dos líderes evangélicos brasileiros sofre arranhões a cada dia, devido aos escândalos em que se envolveram e também à perda da identidade por conta da rendição ao apelo da indústria cultural, à substituição do evangelismo pessoal pela ocupação no ciberespaço, à secularização do sagrado e à falta de profissionalização em grande parte dos serviços prestados dentro da igreja que engloba o ensino, formação de professores e líderes.
O Jornal Diário do Centro do Mundo (DCM) de 25.12.2017 publicou matéria com título “Fé demais não cheira bem: como as igrejas evangélicas lavam dinheiro”, assinada por Joaquim de Carvalho, que traz informações referentes aos escândalos financeiros envolvendo grandes igrejas evangélicas brasileiras, como a AD de Campinas, denunciada na operação Lava Jato por lavar mais de 250 mil depositados em conta pelo então deputado Eduardo Cunha, atualmente preso. Além de citar os envolvimentos das outras igrejas como IURD, Internacional da graça de Deus, Renascer em Cristo, IPDA esta, no caso do apartamento comprado pelo então presidente missionário David Miranda, que, apesar da compra e do pagamento à vista, não quis transferi-lo para o seu nome.
Além disso, outros casos de pastores, pregadores, cantores e obreiros da igreja, levados a público, aumentam ainda mais a desconfiança em relação às instituições evangélicas do país e seus representantes. São escândalos sexuais, drogas, a exemplo dos vídeos dos cantores gospel que foram divulgados na mídia nos últimos anos, além de falsidade ideológica, extorsão, exploração da fé e outros.    
Dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV) divulgados no primeiro semestre de 2017 apontam que o índice de informação, confiança e conhecimento dos brasileiros nas instituições do país vem caindo a cada ano. A pesquisa procurou responder se, para os entrevistados, as organizações cumprem seu dever com qualidade. Para os entrevistados, as Forças Armadas ocuparam o primeiro lugar, enquanto a igreja católica, o segundo. Impressionou o fato de as redes sociais, maior meio de propagação de fake news, aparecerem em quarto lugar, conforme quadro abaixo.

Por outro lado, o IBOPE divulgou resultados da pesquisa do Índice de Confiança Social (ICS), realizada em 2017. Nele, a categoria igreja, que engloba todas as religiões atuantes no país, recuperou o índice de 71 pontos registrado em 2012. O gráfico mostra queda de 2009 a 2014. Obs.: O site explica que o índice entre os evangélicos subiu de 71 para 78 pontos.
Além do que já foi citado, há também mudança de posicionamento da igreja referente ao divórcio e novo casamento, à homossexualidade, ao aborto, à política, à descaracterização do pregador e pastor no exercício do ministério, a músicos, à linguagem e muito mais. Em muitos casos, parece ter havido uma conformação por parte da igreja, de forma que muitos líderes, e especialmente os novos, apresentam a característica de não saber o que fazer diante do mundo de incertezas.
Por que muitos obreiros não sabem que decisão tomar, nem como se comportar? Ou ainda, não sabem o que fazer mesmo na era do saber? Discutiremos alguns pontos dentro da ética ministerial e fidelidade do obreiro.
1.      Definições de Ética
“A ética é o ramo da filosofia que se ocupa coma valorização do comportamento humano”.
Ela procura responder as questões relacionadas aos valores ideais numa sociedade feliz e pacífica, tais como “que devo fazer”?”, “ como devo fazer? “e” como devo agir?”
Assim, a ética cristã procura refletir sobre o comportamento ideal, o “dever ser” do cristão, para uma convivência harmoniosa dentro da igreja.
(VIEIRA, HUMBERTO SCHIMITT. Manual de Ética ministerial).
2.      As Tradições ético-filosóficas na história.
No campo da reflexão sobre o agir humano, como destacam-se em três grandes tradições filosóficas.
 A primeira é a “Ciência das Virtudes” de Aristóteles, filósofo que viveu há 2300 anos. Ele situou sua filosofia entre a física e a política. A rigor, as ciências filosóficas da práxis deveriam ser três: a ética centrada no agir individual, a economia que deveria ser voltada para a práxis doméstica ou familiar, e a política, idealizando as relações humanas dentro da Cidade-Estado e das cidades entre si. O que caracteriza a ética aristotélica e dos seus seguidores, é que ela estuda o agir a partir de uma concepção do homem como sendo: um animal político, que tem linguagem e age logicamente e que precisa desenvolver-se dentro de uma sociedade concreta, num período de tempo, dentro de formas concretas de governo de uma cidade, se quiser ser feliz. O ideal de Aristóteles, então é o do homem virtuoso, significando a virtude como uma força, um vigor uma excelência relacionada aos valores práticos e intelectuais da existência. O mais virtuoso seria o mais capaz de realizar-se como homem, atingindo assim a felicidade, meta procurada por todos.
A segunda tradição ética, de estilo mais anglo- saxônica, é a corrente do utilitarismo. Os seguidores desse modo de pensar são geralmente pragmáticos, de modo imediatista, contentando-se com uma moral provisória. São menos especulativos, e raciocinam praticamente assim: o maior valor ético deve consistir em procurar o bem possível para o maior numero possível de homens ou pessoas, no dizer de Peter Singer, em sua ética prática. [...] lembremos apenas a parábola dos dois filhos (Mt 21.28-32) , quando um diz “não”, mas se arrepende e faz a vontade do pai, e o outro diz “sim” e não faz, talvez até achando que já fez o suficiente ao prometer que o faria. Poder-se-ia objetar que o utilitarismo se move um pouco no ar, à medida que não defino o que seria este bem.  O que se deve conseguir para o maior número possível de pessoas: mais livros ou mais pão? [...] Mas sobre o que seria o bem para os homens, esta corrente geralmente não pensa muito.
A terceira grande tradição filosófica que atua até hoje é a da linha kantiana, centrada sobre a noção do dever.  Parte das ideias da vontade e do dever conclui pela liberdade do homem, cujo conceito não pode ser definido cientificamente, mas que tem de ser postulado sempre, sob pena de o homem se rebaixar a um simples ser da natureza. Kant também reflete sobre a felicidade e também a virtude, mas sempre em função do conceito do dever. É famosa na obra de Kant sua formulação do chamado “imperativo categórico”, nas palavras: “Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal”. [...] Ora o pensador alemão, com seu imperativo categórico, forneceu na prática, um critério para o agir moral. Se queres agir moralmente (vale dizer: racionalmente)- o que aliás tu tens a fazer- age então de uma maneira realmente universalizável.
O dever obriga, força-nos a fazer o que talvez não quiséssemos ou que pelo menos não nos agradaria, porque o homem não é perfeito, e sim, dual. Mas , quando nos força, nos obriga a fazer aquilo que favorece a liberdade do homem, porque o homem é um ser autônomo, isto é, sua liberdade, no sentido positivo, consiste em poder realizar o que ele vê que é o melhor, o mais racional. Poder realizar significa: causar por vontade própria um efeito no mundo ao lado das causas naturais que pertencem, como Kant, ao mecanismo da natureza. O homem neste sentido é o legislador de uma sociedade ética: é legislador porque ele que vê tudo o que deve ser feito, e membro ou súdito porque obedece aos deveres que a sua própria razão lhe formula. É a ética do respeito à pessoa.
                                                                                                                                                                
O ponto em comum é que elas se situam na posição intermediária entre, por um lado, as morais religiosas ou tradicionais, que poderíamos chamar de dogmáticas, isto é que contêm explicações tradicionais reveladas, quer por uma divindade transcendente, quer por força da tradição histórica, e, por outro lado, as atitudes que poderíamos chamar de infra- éticas. Atitudes infra-éticas apresentam, por exemplo, aquelas que não vivem ao menos conscientemente, ao nível ético das escolhas do “bom” e do “bem”, do “agir bem” ou do “bem comum”. São pessoas que buscam apenas o prazer, ou o proveito pessoal, ou as vantagens econômico-financeiras, em todas as ocasiões.
(Prof. Dr. Côn. José Adriano. Apontamentos sobre a ética cristã- Revista de Cultura Teológica p.12)
3.      Em relação às escrituras Sagradas, sempre houve um éthos bíblico.
No pacto da criação, na formação da nação de Israel, na entrega do decálogo que deveria ser aceito como a vontade de Deus para o povo, no relacionamento que deveriam ter entre si, no processo de desenvolvimento como sociedade, na consciência que ao aceitarem a aliança de Deus no Sinai aceitaram a condição de ser o povo de Deus.
No novo testamento, Jesus não abandonou nenhuma das ordenanças do AT; antes, ele interpretou todos os preceitos dele com base em uma exigência de totalidade e interioridade. Ele é a imagem da obediência e mostrou que o reino de Deus havia se aproximado e definiu que a vida do cristão bem sucedido é cheia do Espírito Santo, mesmo não isenta das aflições humanas.
Não fugindo a regra, a igreja primitiva se apresentou como comunidade fervorosa, cheia do Espírito, distante do pecado, de boa convivência entre os irmãos; se entregaram pelo bem estar da comunidade e cumpriram a vontade de Deus; a comunidade gozou da presença de Deus como diz o texto em Mc 16.20: “Então, os discípulos saíram e pregaram por toda parte; e o Senhor cooperava com eles, confirmando-lhes a Palavra com os sinais que a acompanhavam”.
A relação entre os irmãos era a representação da harmonia proposta pelo Senhor, de maneira que , segundo a escritura, em nenhum deles sentia falta de nada, pois em todos havia abundância de graça. Houve aqueles que quiseram sair do meio e saíram, mas outros tentaram simular bom comportamento, sem sucesso. Foram eliminados como no caso de Ananias e Safira, que está registrado em Atos 5, e os jovens de Atos 19.13 -14.
Viveram de maneira exemplar, apresentaram Deus para comunidade de sua época por meio do comportamento; O exemplo e comprometimento foi tanto que mesmo as igrejas mais distantes de Jerusalém não conseguiam se desconectar do ambiente e de toda a responsabilidade existente ente os cristãos daquela igreja.
4.      Ética Ministerial.
Segundo Vieira,” a ética ministerial por sua vez, irá idealizar os valores necessários para que se vislumbre o comportamento também ideal dos ministros da casa de Deus.”
Algumas perguntas nos ajudarão a extrair mais do tema em questão. São elas:
a.       Por que tantos problemas como os citados no início do texto?
b.      Todos os ministros do evangelho e obreiros da casa do Senhor são sujeitos ministerialmente éticos?
c.       A falta de conhecimento acadêmico, que hoje é acessível a quase todos, compromete a excelência do trabalho; Tendo como ponto de vista, os homens que serviram de instrumento para a execução da vontade de Deus desde a chamada de Abrão?
d.      Por que há falta mão de obra profissional dentro da igreja, especialmente por aqueles que exercem o ministério, sendo que, quem executa algum tipo de serviço, atende ao povo por chamada divina? Então, o vocacionado pode aprimorar a vocação? E se não procura, por que não o faz? É ético não o fazer?
e.      A secularização do ministério compromete a espiritualidade, ou seja, o uso do marketing e a ocupação do ciberespaço em substituição ao evangelismo pessoal apagam a atuação do Espírito Santo?

5.      Fidelidade do Obreiro.
Um dos argumentos mais comuns entre os pastores e líderes evangélicos, sem generalizar, é de que adquirem a capacidade de tomar decisões corretas a partir das experiências pessoais com o Espírito Santo.
Conforme está escrito em Rom 8.13-14,o Espírito nos possibilita a vida; em João 16.13 ,  Ele nos guia a toda verdade; e em 1 Cor 6.19-20, Ele habita em nós , por isso, a segurança para decidir sobre as questões morais é tão aparente. Mesmo assim, é preciso considerar a importância do conselho de Jetro para Moisés, de Eli para Samuel, Ananias para Paulo, e outros que influenciaram por meio do aconselhamento.
Há no texto de Jonas 1. 1-6 um fato que elucida o pensamento em questão. No versículo 1,  diz o texto em português, que a palavra do Senhor veio a Jonas, filho de Amitai com seguinte ordem: "Vá depressa à grande cidade de Nínive e pregue contra ela, porque a sua maldade subiu até a minha presença".
No versículo 6, o capitão dirigiu-se ao profeta e disse: "Como você pode ficar aí dormindo? Levante-se e clame ao seu deus! Talvez ele tenha piedade de nós e não morramos".
A palavra traduzida por piedade na Nova Versão Internacional (NVI) vem do Hebraico (hith Hashat /יתעשת ), que tem a raiz aramaica עשת/Hashat e se traduz literalmente para o português como “conhecimento”. O fato permite pensar que o escritor a deixou no texto para mostrar ao leitor que ela foi fundamental para o profeta reconhecer que Deus estava falando novamente por meio de um estrangeiro. Pois o capitão falou no mesmo modo verbal,  imperativo, que Deus havia falado no versículo primeiro. Deus disse em hebraico: “vá e pregue aos ninivitas”, enquanto o capitão, em estrangeirismo, disse: “Vá e clame ao seu deus, talvez tome conhecimento de nós”.  Jonas não obedeceu porque temeu o mar revolto ou a possibilidade do naufrágio, nem se apavorou como os marinheiros, e tampouco se preocupou com o grande peixe; mas porque identificou na fala do capitão o mesmo modo que Deus havia falado quando o comissionou. Então, para o bem de todos, decidiu cumprir o dever e salvar a vida dos passageiros do navio.
Portanto, o líder deve adquirir experiência pessoal com o Espírito Santo e considerar que o mesmo Espírito usa professores, textos, pregações, ensinos, simpósios, seminários e aconselhamento pastoral e outros meios, a fim de prepará-lo para decidir corretamente diante de qualquer situação.
Algumas questões sobre o tema:
a.       Devo pensar que a escolha de ser fiel a Deus e a ética ministerial dependem apenas da experiência pessoal?
b.      O que o ministério para o qual fui chamado exige de mim para o melhor desempenho, aproveitamento e edificação de todos?
c.       Sou fiel?
Bibliografia:
Bíblia Sagrada Versão NVI.
Tanakh (Torah, Nevi-in, K’tuvim). The British foreign Bible Society.
CARTER, JAMES E e TRULL, JOE E. Ética Ministerial.
VIEIRA, HUMBERTO SCHIMITT. Manual de Ética Ministerial. 2ª edição.
ADRIANO, JOSE.  Apontamentos sobre ética cristã. Revista Cultura Teológica, https://revistas.pucsp.br/culturateo, v. 15 – 59- p. 12-16 ABR/JUN 2007.

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