Introdução
A credibilidade dos líderes evangélicos brasileiros sofre
arranhões a cada dia, devido aos escândalos em que se envolveram e também à perda
da identidade por conta da rendição ao apelo da indústria cultural, à substituição
do evangelismo pessoal pela ocupação no ciberespaço, à secularização do sagrado
e à falta de profissionalização em grande parte dos serviços prestados dentro da
igreja que engloba o ensino, formação de professores e líderes.
O Jornal Diário do Centro do Mundo (DCM) de 25.12.2017 publicou
matéria com título “Fé demais não cheira bem: como as igrejas evangélicas lavam
dinheiro”, assinada por Joaquim de Carvalho, que traz informações referentes
aos escândalos financeiros envolvendo grandes igrejas evangélicas brasileiras,
como a AD de Campinas, denunciada na operação Lava Jato por lavar mais de 250
mil depositados em conta pelo então deputado Eduardo Cunha, atualmente preso.
Além de citar os envolvimentos das outras igrejas como IURD, Internacional da
graça de Deus, Renascer em Cristo, IPDA esta, no caso do apartamento comprado
pelo então presidente missionário David Miranda, que, apesar da compra e do
pagamento à vista, não quis transferi-lo para o seu nome.
Além disso, outros casos de pastores, pregadores, cantores e
obreiros da igreja, levados a público, aumentam ainda mais a desconfiança em
relação às instituições evangélicas do país e seus representantes. São escândalos
sexuais, drogas, a exemplo dos vídeos dos cantores gospel que foram divulgados
na mídia nos últimos anos, além de falsidade ideológica, extorsão, exploração
da fé e outros.
Dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV) divulgados no primeiro
semestre de 2017 apontam que o índice de informação, confiança e conhecimento
dos brasileiros nas instituições do país vem caindo a cada ano. A pesquisa procurou
responder se, para os entrevistados, as organizações cumprem seu dever com
qualidade. Para os entrevistados, as Forças Armadas ocuparam o primeiro lugar,
enquanto a igreja católica, o segundo. Impressionou o fato de as redes sociais,
maior meio de propagação de fake news, aparecerem em quarto lugar,
conforme quadro abaixo.
Por outro lado, o IBOPE divulgou resultados da pesquisa do
Índice de Confiança Social (ICS), realizada em 2017. Nele, a categoria igreja, que
engloba todas as religiões atuantes no país, recuperou o índice de 71 pontos registrado
em 2012. O gráfico mostra queda de 2009 a 2014. Obs.: O site explica que o
índice entre os evangélicos subiu de 71 para 78 pontos.
Além do que já foi citado, há também mudança de
posicionamento da igreja referente ao divórcio e novo casamento, à homossexualidade,
ao aborto, à política, à descaracterização do pregador e pastor no exercício do
ministério, a músicos, à linguagem e muito mais. Em muitos casos, parece ter
havido uma conformação por parte da igreja, de forma que muitos líderes, e especialmente
os novos, apresentam a característica de não saber o que fazer diante do mundo de
incertezas.
Por que muitos obreiros não sabem que decisão tomar, nem
como se comportar? Ou ainda, não sabem o que fazer mesmo na era do saber? Discutiremos
alguns pontos dentro da ética ministerial e fidelidade do obreiro.
1. Definições de Ética
“A ética
é o ramo da filosofia que se ocupa coma valorização do comportamento humano”.
Ela
procura responder as questões relacionadas aos valores ideais numa sociedade
feliz e pacífica, tais como “que devo fazer”?”, “ como devo fazer? “e” como
devo agir?”
Assim, a
ética cristã procura refletir sobre o comportamento ideal, o “dever ser” do cristão,
para uma convivência harmoniosa dentro da igreja.
(VIEIRA, HUMBERTO SCHIMITT. Manual de Ética ministerial).
2. As Tradições ético-filosóficas na
história.
No campo da reflexão sobre o agir humano, como destacam-se em
três grandes tradições filosóficas.
A primeira é a “Ciência
das Virtudes” de Aristóteles, filósofo que viveu há 2300 anos. Ele situou sua
filosofia entre a física e a política. A rigor, as ciências filosóficas da
práxis deveriam ser três: a ética centrada no agir individual, a economia que
deveria ser voltada para a práxis doméstica ou familiar, e a política,
idealizando as relações humanas dentro da Cidade-Estado e das cidades entre si.
O que caracteriza a ética aristotélica e dos seus seguidores, é que ela estuda
o agir a partir de uma concepção do homem como sendo: um animal político, que
tem linguagem e age logicamente e que precisa desenvolver-se dentro de uma
sociedade concreta, num período de tempo, dentro de formas concretas de governo
de uma cidade, se quiser ser feliz. O ideal de Aristóteles, então é o do homem
virtuoso, significando a virtude como uma força, um vigor uma excelência
relacionada aos valores práticos e intelectuais da existência. O mais virtuoso
seria o mais capaz de realizar-se como homem, atingindo assim a felicidade, meta
procurada por todos.
A segunda tradição ética, de estilo mais anglo- saxônica, é a
corrente do utilitarismo. Os seguidores desse modo de pensar são geralmente pragmáticos,
de modo imediatista, contentando-se com uma moral provisória. São menos
especulativos, e raciocinam praticamente assim: o maior valor ético deve
consistir em procurar o bem possível para o maior numero possível de homens ou
pessoas, no dizer de Peter Singer, em sua ética prática. [...] lembremos apenas
a parábola dos dois filhos (Mt 21.28-32) , quando um diz “não”, mas se
arrepende e faz a vontade do pai, e o outro diz “sim” e não faz, talvez até achando
que já fez o suficiente ao prometer que o faria. Poder-se-ia objetar que o
utilitarismo se move um pouco no ar, à medida que não defino o que seria este
bem. O que se deve conseguir para o
maior número possível de pessoas: mais livros ou mais pão? [...] Mas sobre o que
seria o bem para os homens, esta corrente geralmente não pensa muito.
A terceira grande tradição filosófica que atua até hoje é a
da linha kantiana, centrada sobre a noção do dever. Parte das ideias da vontade e do dever
conclui pela liberdade do homem, cujo conceito não pode ser definido cientificamente,
mas que tem de ser postulado sempre, sob pena de o homem se rebaixar a um
simples ser da natureza. Kant também reflete sobre a felicidade e também a
virtude, mas sempre em função do conceito do dever. É famosa na obra de Kant
sua formulação do chamado “imperativo categórico”, nas palavras: “Age de tal
modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como princípio
de uma legislação universal”. [...] Ora o pensador alemão, com seu imperativo categórico,
forneceu na prática, um critério para o agir moral. Se queres agir moralmente (vale
dizer: racionalmente)- o que aliás tu tens a fazer- age então de uma maneira
realmente universalizável.
O dever obriga, força-nos a fazer o que talvez não quiséssemos
ou que pelo menos não nos agradaria, porque o homem não é perfeito, e sim,
dual. Mas , quando nos força, nos obriga a fazer aquilo que favorece a
liberdade do homem, porque o homem é um ser autônomo, isto é, sua liberdade, no
sentido positivo, consiste em poder realizar o que ele vê que é o melhor, o
mais racional. Poder realizar significa: causar por vontade própria um efeito
no mundo ao lado das causas naturais que pertencem, como Kant, ao mecanismo da
natureza. O homem neste sentido é o legislador de uma sociedade ética: é
legislador porque ele que vê tudo o que deve ser feito, e membro ou súdito
porque obedece aos deveres que a sua própria razão lhe formula. É a ética do
respeito à pessoa.
O ponto em comum é que elas se situam na posição intermediária
entre, por um lado, as morais religiosas ou tradicionais, que poderíamos chamar
de dogmáticas, isto é que contêm explicações tradicionais reveladas, quer por
uma divindade transcendente, quer por força da tradição histórica, e, por outro
lado, as atitudes que poderíamos chamar de infra- éticas. Atitudes infra-éticas
apresentam, por exemplo, aquelas que não vivem ao menos conscientemente, ao
nível ético das escolhas do “bom” e do “bem”, do “agir bem” ou do “bem comum”.
São pessoas que buscam apenas o prazer, ou o proveito pessoal, ou as vantagens
econômico-financeiras, em todas as ocasiões.
(Prof. Dr. Côn. José Adriano.
Apontamentos sobre a ética cristã- Revista de Cultura Teológica p.12)
3. Em relação às escrituras Sagradas,
sempre houve um éthos bíblico.
No pacto da criação, na formação da nação de Israel, na
entrega do decálogo que deveria ser aceito como a vontade de Deus para o povo,
no relacionamento que deveriam ter entre si, no processo de desenvolvimento como
sociedade, na consciência que ao aceitarem a aliança de Deus no Sinai aceitaram
a condição de ser o povo de Deus.
No novo testamento, Jesus não abandonou nenhuma das ordenanças
do AT; antes, ele interpretou todos os preceitos dele com base em uma exigência
de totalidade e interioridade. Ele é a imagem da obediência e mostrou que o
reino de Deus havia se aproximado e definiu que a vida do cristão bem sucedido
é cheia do Espírito Santo, mesmo não isenta das aflições humanas.
Não fugindo a regra, a igreja primitiva se apresentou como
comunidade fervorosa, cheia do Espírito, distante do pecado, de boa convivência
entre os irmãos; se entregaram pelo bem estar da comunidade e cumpriram a
vontade de Deus; a comunidade gozou da presença de Deus como diz o texto em Mc
16.20: “Então, os discípulos saíram e pregaram por toda parte; e o Senhor
cooperava com eles, confirmando-lhes a Palavra com os sinais que a acompanhavam”.
A relação entre os irmãos era a representação da harmonia
proposta pelo Senhor, de maneira que , segundo a escritura, em nenhum deles sentia
falta de nada, pois em todos havia abundância de graça. Houve aqueles que
quiseram sair do meio e saíram, mas outros tentaram simular bom comportamento, sem
sucesso. Foram eliminados como no caso de Ananias e Safira, que está registrado
em Atos 5, e os jovens de Atos 19.13 -14.
Viveram de maneira exemplar, apresentaram Deus para comunidade
de sua época por meio do comportamento; O exemplo e comprometimento foi tanto
que mesmo as igrejas mais distantes de Jerusalém não conseguiam se desconectar
do ambiente e de toda a responsabilidade existente ente os cristãos daquela
igreja.
4. Ética Ministerial.
Segundo
Vieira,” a ética ministerial por sua vez, irá idealizar os valores necessários
para que se vislumbre o comportamento também ideal dos ministros da casa de
Deus.”
Algumas perguntas nos ajudarão a extrair mais do tema em
questão. São elas:
a.
Por que tantos problemas como os citados no
início do texto?
b.
Todos os ministros do evangelho e obreiros da
casa do Senhor são sujeitos ministerialmente éticos?
c.
A falta de conhecimento acadêmico, que hoje é
acessível a quase todos, compromete a excelência do trabalho; Tendo como ponto
de vista, os homens que serviram de instrumento para a execução da vontade de
Deus desde a chamada de Abrão?
d.
Por que há falta mão de obra profissional dentro
da igreja, especialmente por aqueles que exercem o ministério, sendo que, quem
executa algum tipo de serviço, atende ao povo por chamada divina? Então, o
vocacionado pode aprimorar a vocação? E se não procura, por que não o faz? É
ético não o fazer?
e.
A secularização do ministério compromete a
espiritualidade, ou seja, o uso do marketing e a ocupação do ciberespaço em
substituição ao evangelismo pessoal apagam a atuação do Espírito Santo?
5. Fidelidade do Obreiro.
Um dos argumentos mais comuns entre os pastores e líderes
evangélicos, sem generalizar, é de que adquirem a capacidade de tomar decisões corretas
a partir das experiências pessoais com o Espírito Santo.
Conforme está escrito em Rom 8.13-14,o Espírito nos
possibilita a vida; em João 16.13 , Ele nos
guia a toda verdade; e em 1 Cor 6.19-20, Ele habita em nós , por isso, a
segurança para decidir sobre as questões morais é tão aparente. Mesmo assim, é
preciso considerar a importância do conselho de Jetro para Moisés, de Eli para
Samuel, Ananias para Paulo, e outros que influenciaram por meio do
aconselhamento.
Há no texto de Jonas 1. 1-6 um fato que elucida o pensamento
em questão. No versículo 1, diz o texto
em português, que a palavra do Senhor veio a Jonas, filho de Amitai com seguinte
ordem: "Vá depressa à grande cidade de Nínive e pregue contra ela, porque
a sua maldade subiu até a minha presença".
No versículo 6, o capitão dirigiu-se ao profeta e disse:
"Como você pode ficar aí dormindo? Levante-se e clame ao seu deus! Talvez
ele tenha piedade de nós e não morramos".
A palavra traduzida por piedade na Nova Versão Internacional
(NVI) vem do Hebraico (hith Hashat /יתעשת ),
que tem a raiz aramaica עשת/Hashat e se traduz literalmente para o português como “conhecimento”.
O fato permite pensar que o escritor a deixou no texto para mostrar ao leitor que
ela foi fundamental para o profeta reconhecer que Deus estava falando novamente
por meio de um estrangeiro. Pois o capitão falou no mesmo modo verbal, imperativo, que Deus havia falado no
versículo primeiro. Deus disse em hebraico: “vá e pregue aos ninivitas”,
enquanto o capitão, em estrangeirismo, disse: “Vá e clame ao seu deus, talvez
tome conhecimento de nós”. Jonas não
obedeceu porque temeu o mar revolto ou a possibilidade do naufrágio, nem se
apavorou como os marinheiros, e tampouco se preocupou com o grande peixe; mas
porque identificou na fala do capitão o mesmo modo que Deus havia falado quando
o comissionou. Então, para o bem de todos, decidiu cumprir o dever e salvar a
vida dos passageiros do navio.
Portanto, o líder deve adquirir experiência pessoal com o
Espírito Santo e considerar que o mesmo Espírito usa professores, textos, pregações,
ensinos, simpósios, seminários e aconselhamento pastoral e outros meios, a fim
de prepará-lo para decidir corretamente diante de qualquer situação.
Algumas questões sobre o tema:
a.
Devo pensar que a escolha de ser fiel a Deus e a
ética ministerial dependem apenas da experiência pessoal?
b.
O que o ministério para o qual fui chamado exige
de mim para o melhor desempenho, aproveitamento e edificação de todos?
c.
Sou fiel?
Bibliografia:
Bíblia Sagrada Versão NVI.
Tanakh (Torah, Nevi-in, K’tuvim). The British foreign Bible
Society.
CARTER, JAMES E e TRULL, JOE E. Ética Ministerial.
VIEIRA, HUMBERTO SCHIMITT. Manual de Ética Ministerial. 2ª
edição.
ADRIANO, JOSE.
Apontamentos sobre ética cristã. Revista Cultura Teológica, https://revistas.pucsp.br/culturateo,
v. 15 – 59- p. 12-16 ABR/JUN 2007.
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